terça-feira, maio 27, 2008

Ressaca do "13 de Maio"

ABO-LIÇÃO

Cantemos o dia da liberdade.
Dia que a princesa branca firmou
o decreto em favor da negritude.
Dia que a alegria contagiou
o canto triste dos filhos da África
e os livrou pela tocante atitude
da ilustre representante do império.
O raiar de um novo tempo chegou,
brilhando na atmosfera cinzenta
da Senzala. Ungiu o lamento, o banzo
do coração escravo já descrente,
e o fez, inocente, correr, achando
que seria o fim de seu sofrimento.
Tateou no escuro um futuro escuso,
vislumbrou um cenário visionário
e sonhou, quimérico, um sonho homérico.

Mas que grilhões são esses, essas marcas,
que ainda habitam seu corpo dorido?
Não era a liberdade uma conquista?
Seria o início de um futuro ilustre,
ou mero embuste a tal abolição?
Sim, fora engodado pelo destino,
e o desatino de tal decisão
o lançara sem nada mundo afora
e agora, nem a Senzala, que era
o pouco que lhe restava da África,
um alívio na vida tão sofrida,
lhe serviria agora de guarida.
Relegado às favelas e aos guetos,
sem emprego ou favores dos antigos
senhores, ficara a sós e à margem,
perpetuando a imagem de indolente
que o faria sofrer durante séculos.
A luta agora ocorre em campo aberto
e o mais novo oponente é o próprio espelho;
sem oportunidade bate às portas,
total desprezo enfrenta à sua frente
e a mente então sucumbe, fatigada.

Onde buscar amor, um novo canto,
que ecoe, rijo, de seus negros lábios?
Onde buscar socorro se aos encargos
severos de sua luta sempre corre?
Fazer do vão prazer esconderijo
e alimentar os tabus conformistas,
fazendo assim o jogo do racistas,
é dar poder aos que te querem fraco.

Se a um só labor unir sua alma
e à força dos irmãos buscar ajuda,
um novo despertar da consciência
será sua liberdade verdadeira.
De posse de auto-estima altaneira,
lavar a tez pesada de amargura,
louvar os ancestrais de forma pura,
olhar em derredor de modo atento,
deixando aberta a porta da cultura.
Dispor a mente a novas descobertas,
mantendo em bom caminho a atitude,
fazendo assim nascer um povo forte,
herdeiro de um legado construído
por sobre o sofrimento e destinado
a não ser esquecido após a morte.

(Paulo Cruz)