sexta-feira, agosto 29, 2008

“Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.” (Fernando Pessoa)

ESTIAGEM

Serôdia foi a chuva que surgiu
certo dia
e o rio se encheu de águas caudalosas.
E eu à beira,
zeloso entre o prazer da correnteza,
e a certeza
de não poder banhar-me por inteiro.
Era um sonho,
e eu sentado em companhia ilustre
não sabia,
que tal cenário se dissiparia
tão ligeiro,
que o belo da paisagem que eu nutria
em meu corpo,
jamais encobriria o meu tesouro.

E por fim,
as águas que corriam caudalosas
se calaram,
irrigaram o solo de meus sonhos
e partiram,
em novas substâncias transformadas.
Era um risco
trilhar por um caminho tão incerto,
pois seu curso
feria de erosão a terra fértil.
Por receio,
o rio não foi ao mar tornar-se intenso
e seu leito
secou sob a aridez de um deserto.

(Paulo Cruz)

quarta-feira, agosto 13, 2008

O SONHO DE UM POETASTRO

Meus vocábulos são quiméricos!
De fato são estratosféricos
os meus estertores verbais.
São meus vãos delírios poéticos,
a (im)precisão milimétrica,
o ritmo, a rima, a métrica
e, acima de tudo, o estilo;
e muito mais, assim assaz
a minha intensa produção,
a (a)versão total dos fatos
narrados à minha maneira,
tão estável e tão (estúpida?)
bem esculpida em belos versos
vernáculos, e combinados
à risca, ao lado de um anseio
pela perfeição no escrito.
Em um sentido mais estrito,
meu profundo anseio é somente,
no futuro, figurar neste
vasto cenário literário
das séries, das antologias
e descansar em uma estante,
perdido, até ser encontrado
por um leitor inveterado,
à vista de um alfarrabista.

(Paulo Cruz)