quinta-feira, outubro 25, 2007

MINHA TEOLOGIA

Minha meta é a metafísica.
teorizar os atributos é meu intuito;
um dilema, um lema indefinível
é o nível de minhas abstrações,
minha intuição é uma canção confusa,
meu artifício é um edifício difícil de erigir,
um alimento que não se pode ingerir
a qualquer momento;
tal pretensão pode ser letal.
Procuro provocar controvérsias
carregadas de alegorias e sofismas sofisticados;
deleito-me nas categorias filosóficas
e nos cismas lógicos.
Deixo Deus detido em meus teoremas,
depois, temendo que tudo esteja em aberto
o liberto tanto que já não é possível
saber o que é certo.
Meus argumentos parecem puros, etéreos,
mas são sólidos como um rochedo;
são armas estéreis contra o Eterno,
mas não admito, tenho medo.

(PC - 25/10/2007)

quinta-feira, julho 26, 2007

RETRATO

Era um sorriso inocente
Era uma pose engraçada
Era um pedaço de gente
Era alegria espalhada

Era o orgulhoso Narciso
Era a criança levada
Era o que dava o sorriso
Era o que cobrava nada

Era o que andava tão bem
Era o que hoje eu entendo
Era o mais sábio também
Era o que era não sendo

Era o que amava seus pais
Era da música amigo
Era o que dançava mais
Era da paz o abrigo

Era de Deus o retrato
Era dos seus companhia
Era criança de fato
Era o amor que vencia

Era assim, só alegria
Era sim, vida de brilho
Era o que falando ria
Era eu, hoje é meu filho

(PC - 05/04/2007)

terça-feira, julho 10, 2007

EU E SÍSIFO

Ambas as pedras rolaram,
Eu e Sísifo corremos.
Não há entre nós ganhador,
nem perdedor haverá;
Eu e Sísifo
limitamo-nos a buscar de novo as rochas.
Abaixo, a montanha tão conhecida
se faz nova a cada investida
e tratamos de trazer aos tropeços,
cada um a sua pedra-castigo.

Não há orgulho entre nós,
somos companheiros de sonho e de sina;
Eu e Sísifo
enganamos a morte e agora,
eternamente condenados a carregar,
com malogro garantido,
o nosso destino,
tivemos uma idéia salutar,
que nos aliviará, talvez:
vamos juntos carregar
uma pedra de cada vez.

(PC - 05/07/2007)

terça-feira, junho 26, 2007

O PALHAÇO

José da Silva acordava
todos os dias às cinco
Subia a lona do circo
Tirava o trailer da trava

Lavava bem o leão
levava pão bem quentinho
pra sua esposa e sozinho
buscava inspiração

Seu pensamento subia...
sabia que sua destreza
era mesmo na tristeza
trazer ao povo alegria

Seu pai legara-lhe o ofício
tendo depois falecido;
ser o que não tinha sido
foi seu maior sacrifício

À tarde no picadeiro
com sua cara pintada
o riso da garotada
o consolava inteiro

E depois, na madrugada,
Sonhava então ser feliz
seu coração aprendiz
dizia à alma apagada:

não foi bem isso que eu quis.

(PC - 22/05/2007)

terça-feira, junho 19, 2007

PESADELO

Arrasto
no espaço
um estado
tardio
de tempo

confuso
afundo
no fundo
de um sonho

vagueio
no vazio
velando
um rio
cheio de
mágoas

assusto
suspiro

acordo

o corpo
coberto
de dor.

(PC – 19/06/2007)

quarta-feira, abril 11, 2007

PAS-DE-DEUX

Na ponta dos pés
a bailarina aponta
o céu
que baila
na ponta do dedo
da bailarina.

(PC - 11/04/2007)

segunda-feira, abril 02, 2007

O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA

A despedida foi um tanto estranha.
Você se foi, saiu; seu cheiro não,
ficou, insistente. Não levantei.
Lamentei por um momento e depois
segui calmamente até o outro cômodo,
com um sentimento qualquer de incômodo,
e chorei uma saudade que nem
sequer se fazia presente. E então,
sem que minha mente tivesse tempo
de compreender o súbito ocorrido,
uma sensação de oco nasceu dentro
de mim; entrou sem pedir permissão,
introduzindo-se no mais profundo
e íntimo pedacinho de mim,
dilacerando-me completamente.
Como se eu tivesse escorrido, líquido,
por entre os dedos eternos de Deus

e caído.

(PC - 29/03/2006)

terça-feira, março 20, 2007

DEUS ABSCONDITUS

Quando te escondes de mim
é que melhor te conheço;
e quase te desconheço
quando brincando me brindas
com tua terrível ausência.

Te busco no firmamento
e nos luzeiros da noite;
nem nos profetas te vejo,
nem nos profundos ensejos
da mais moderna ciência

depara-me tua presença.
Ansioso espero encontrá-lo
no rosto amigo de outrora,
trocando a treva que agora
invade minha consciência.

Estou tão frio que não posso
sentir que me olham teus olhos;
tão ébrios andam meus pés,
que já não podem sequer
fazer qualquer exigência.

Olhando em mim não te encontro;
eis que no vazio me acho
diante de ti, e tão longe
perco meu passo e te vejo,
já não há mais resistência.

(PC - 20/03/2007)

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

bê-a-bá

A DESCOBERTA DA LÍNGUA

Meu pequerrucho filho
troca o 'r' pelo 'e'.
Quando está calor, ele diz:
"Tá caloe!"
E eu me divirto.
É a descoberta da virtude
da palavra, da língua, do idioma;
E ele vai, construindo
as frases devagarzinho,
Engatinhando nos axiomas
e, repetindo a interjeição
materna: "Deus eteno"! -
desde pequeno já celebra
o Nome Santo.
Isso tudo me dá uma sensação
de puro gozo, de encanto.

Assim meu filho cresce
E com isso carece
Da educação que prometi
Diante de Deus
(e dos meus) legar-lhe.
Não quero mais que bom gosto,
disposição, discernimento e fé;
que seja amante da música
e dos livros,
para comigo tomar café
e devanear nos sabores
da linguagem, das letras
e dos amores.

(PC - 22/02/2007)

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

...

MAR-MUNDO

Pelas vagas
velas navegas,
alinhas
nas paralelas
linhas
seu barco,
por onde eu,
inerme, embarco.

Flutuo,
mar adentro
Fluo,
Não sem alento,
sacro intento
anacrônico,
um tanto irônico
paro, atônito.

Um mar-mundo
se desnuda,
profundo.
Fico mudo,
minhas pupilas
dilatadas desatas
num vislumbre único,
de tudo um pouco,
louco por amar
O mar.

(PC - 08/02/2007)

quarta-feira, janeiro 17, 2007

É pedir muito?

QUERO

Mais verdes mares,
menos vales, quero.

Mais luas novas,
menos provas, quero.

Mais longos passeios,
menos anseios, quero.

Mais crianças em volta,
menos revolta, quero.

Mais boa partilha,
menos guerrilha, quero.

Mais sofisticação,
menos ilusão, quero.

Mais desejo humano,
menos engano, quero.

Mais casta beleza,
menos fraqueza, quero.

Mais sobeja fartura,
menos usura, quero.

Mais queridos amigos,
menos castigos, quero.

Mais lindos amores,
menos rancores, quero.

Mais belos poemas,
menos dilemas, quero.

(PC - 29/12/2006)